As mudas de couve-nabiça conseguem absorver acetato, um composto orgânico simples de carbono que os investigadores fazem a partir de dióxido de carbono, água e eletricidade solar. Porém, até agora, só as algas, leveduras comestíveis e fungos é que cresciam neste acetato sem luz e fotossíntese – com maior eficiência.
As histórias de ficção científica já conceberam pessoas no futuro a viver em cidades subterrâneas em Marte, em asteroides ocos e em estações espaciais flutuantes longe do sol. Mas para os humanos sobreviverem em qualquer um destes ambientes hostis e alienígenas, vão precisar de formas de cultivar alimentos através de recursos limitados – e a fotossíntese, o processo de grande sucesso, porém ineficiente em termos energéticos, pelo qual as plantas transformam a luz do sol em açúcar, pode não ser suficiente.
Agora, alguns cientistas interrogam-se se será possível produzir alimentos com mais eficiência, ignorando completamente a fotossíntese, ao cultivar plantas no escuro.
Este conceito parece tão fictício quanto as cidades em Marte. Contudo, uma equipa de investigadores deu o primeiro passo para o realizar e publicou um estudo em junho na Nature Food. Esta investigação mostra que é possível cultivar algas, leveduras comestíveis e fungos que produzem cogumelos no escuro, nutrindo-os com um composto à base de carbono chamado acetato que não tem origem nas plantas – em vez disso, é produzido através de eletricidade solar. Os cientistas esperam que este método, um tipo de “fotossíntese artificial”, possa revelar novas formas de produzir alimentos sem ocupar tanto espaço físico e sem os custos energéticos associados à agricultura tradicional – incluindo, talvez, culturas que consigam crescer no escuro.
Outros especialistas estão céticos de que seja possível redesenhar a biologia vegetal de forma tão radical, mas estes investigadores estão animados com a tecnologia que inventaram e com a ideia inovadora da equipa sobre a forma de tornar a produção de alimentos mais eficiente.
“Temos de descobrir maneiras de cultivar plantas com mais eficiência”, diz o coautor do estudo Feng Jiao, professor de engenharia química e biomolecular da Universidade de Delaware. “Qual é a melhor [solução]? Creio que a beleza da ciência está em explorarmos todas as possibilidades.”
Com exceção de alguns ambientes mais extremos, como as fontes termais em alto mar – que são sustentadas pela energia química do sulfeto de hidrogénio que borbulha nas fendas no fundo do mar – toda a vida na Terra é alimentada pelo sol. Mesmo os predadores como tigres e tubarões fazem parte de teias alimentares complexas que remontam às plantas e, nos oceanos, a pequenas algas verdes. Estes chamados produtores primários têm um superpoder biológico: a capacidade de criar carbono orgânico a partir de dióxido de carbono através da fotossíntese, um processo bioquímico alimentado pela luz solar.
Os investigadores descobriram que vários tipos de fungos que produzem cogumelos (a branco nestas imagens) conseguem crescer com o acetato eletrolisado a energia solar como única fonte de carbono e energia. Normalmente, estes fungos dependem do carbono orgânico produzido pelas plantas fotossintetizantes.
Embora a fotossíntese seja essencial para a vida como a conhecemos, não é um processo muito eficiente – só cerca de 1% da luz solar que incide sobre as plantas é realmente capturada e usada na produção de carbono orgânico. Esta ineficiência vai ser um desafio se os humanos quiserem estabelecer uma presença autossustentável no espaço, onde é vital produzir alimentos com o mínimo de recursos possível.
Isto já é atualmente um problema na Terra, porque à medida que a população humana cresce, os agricultores são pressionados para extraírem mais calorias do mesmo solo.
Alguns cientistas acreditam que a solução passa pela engenharia genética de culturas para se obter um processo de fotossíntese mais eficiente. Os investigadores responsáveis pelo novo estudo estão a propor algo mais invulgar – substituir a fotossíntese biológica por um processo parcialmente artificial, para transformar a luz solar em comida. Este processo é uma versão da fotossíntese artificial, um termo que existe há anos e abrange várias abordagens para converter luz solar, água e CO2 em combustíveis líquidos e químicos como metanol e hidrogénio. Os investigadores dizem que o seu trabalho representa a primeira vez em que um sistema de fotossíntese artificial é combinado com uma tentativa de cultivo de organismos comuns produtores de alimentos.
Este sistema baseia-se em eletrólise – usa corrente elétrica para produzir reações químicas no interior de um dispositivo chamado eletrolisador. No estudo publicado recentemente, os investigadores criaram um sistema eletrolisador movido a energia solar de duas fases, que converte dióxido de carbono e água em oxigénio e acetato, um composto simples à base de carbono.
Os autores alimentaram depois este acetato com Chlamydomonas reinhardtii, uma alga verde fotossintetizante. E também forneceram acetato para a levedura nutricional e os fungos produtores de cogumelos – que não fazem fotossíntese, mas normalmente precisam do carbono orgânico produzido pelas plantas para crescer.
Um tipo de alga chamado Chlamydomonas, que normalmente requer luz solar para fazer a fotossíntese, cresceu bem no escuro, esverdeando um frasco que continha acetato (à direita). O frasco de controlo (à esquerda) não continha acetato.
Todos estes organismos conseguiram absorver o acetato e crescer no escuro – independentemente da luz solar ou do carbono derivado da fotossíntese.
Comparado com a fotossíntese, este processo revelou-se surpreendentemente eficiente. Através da fotossíntese artificial, as algas verdes conseguem converter energia solar em biomassa de uma forma cerca de quatro vezes mais eficiente do que as culturas que usam a fotossíntese biológica. As leveduras cultivadas com este processo são quase 18 vezes mais eficientes em termos energéticos do que as outras culturas.
“Esta é uma das principais vantagens em usar uma abordagem artificial em vez da abordagem natural”, diz Feng Jiao.
Os cientistas já sabiam que a alga C. reinhardtii podia crescer em acetato no escuro – este organismo é mixotrófico, o que significa que pode alternar entre produzir o seu próprio alimento fotossinteticamente ou comer carbono orgânico produzido por outras plantas. De acordo com o autor sénior do estudo, Robert Jinkerson, da Universidade da Califórnia, em Riverside, esta foi a primeira vez em que a C. reinhardtii foi cultivada em acetato que não veio de fotossíntese recente ou de produtos petrolíferos, que são os restos fósseis de fotossíntese antiga. E isso é relevante.
“Esta foi a primeira vez em que qualquer organismo fotossintético, como algas ou plantas, cresceu independente da fotossíntese desde que evoluiu”, acrescenta Robert Jinkerson. “Está completamente dissociado.”
Depois de terem cultivado algas sem fotossíntese, os investigadores viraram as suas atenções para uma questão mais difícil: será que também conseguiam cultivar plantas?
As plantas de alface podem beneficiar do acetato – mas só até certo ponto. Continuam a precisar de luz solar para crescer. Desenvolver culturas que possam crescer no escuro continua a ser um grande desafio técnico que pode exigir engenharia genética.
Os resultados iniciais foram animadores. No escuro, os investigadores cultivaram tecido de alface numa suspensão líquida com acetato, confirmando que o tecido consegue absorver e metabolizar uma fonte de carbono fornecida externamente.
E quando cultivaram plantas inteiras de alface à luz (assim como arroz, couve-nabiça, tomate e várias outras espécies de culturas), mas alimentaram-nas com acetato suplementar, descobriram que as plantas incorporaram acetato nos seus tecidos. O acetato marcado com um isótopo pesado de carbono, chamado carbono-13, pode ser rastreado nos aminoácidos e açúcares, sugerindo que as plantas podem usá-lo para suportar uma variedade de processos metabólicos.
No entanto, o estudo não mostrou que as plantas inteiras podem ser cultivadas completamente em acetato sem acesso à luz solar – na verdade, as experiências dos investigadores com alfaces indicam que demasiado acetato acaba por inibir o crescimento das plantas. Robert Jinkerson diz que o seu laboratório está atualmente a trabalhar em engenharia genética e criação de plantas para estas serem mais tolerantes ao acetato – um processo necessário para que o método de fotossíntese artificial da equipa possa apoiar o crescimento das plantas e a produção de alimentos de forma significativa.
Emma Kovak, analista alimentar e de agricultura do Instituto Breakthrough, diz que os resultados dos autores representam um “primeiro passo para o potencial uso do acetato para ajudar a alimentar plantas produzidas em espaços fechados”. Isto pode reduzir a energia necessária para operar quintas internas se permitir aos produtores reduzir os níveis de luz interna. “Mas seria necessário um progresso maciço”, diz Emma Kovak, “para permitir que as plantas cresçam de forma robusta com o acetato mesmo sob condições de pouca luz”.
Evan Groover, doutorando em biologia sintética na Universidade da Califórnia, em Berkeley, cuja investigação se concentra em plantas modificadas geneticamente para melhorar a fotossíntese, concorda com Emma Kovak. “O estudo mostra que as plantas conseguem absorver o acetato, mas não é uma evidência de que consigam realmente prosperar ou sintetizar alimentos, combustível ou medicamentos de forma significativa”, diz Evan Groover. “Para isso acontecer, seria necessário reprogramar completamente as plantas.”
Ainda assim, Evan Groover diz que o artigo dos autores é “empolgante”.
“O estudo mostra-nos formas pelas quais podemos captar luz e carbono em ambientes estranhos e não terrestres, ou em ambientes onde não conseguimos fazer agricultura tradicional”, acrescenta Evan.
Um ambiente extraterrestre pode ser onde esta tecnologia vai ser aplicada pela primeira vez. Os investigadores submeteram o seu conceito de fotossíntese artificial ao Deep Space Food Challenge da NASA, que concede prémios em dinheiro e reconhecimento aos grupos com ideias inovadoras para alimentar astronautas nas missões espaciais de longo prazo. No outono passado, o conceito desta equipa foi nomeado um dos 18 vencedores da Fase 1 nos EUA. Na Fase 2, as equipas têm de construir um protótipo que produza realmente alimentos. Os vencedores serão anunciados no próximo ano.
Vencer esta competição não é garantia de que uma nova tecnologia de produção de alimentos vai ser lançada numa futura missão espacial. Há vários detalhes técnicos que precisam de ser analisados, diz Lynn Rothschild, investigadora sénior do Centro Ames de Pesquisa da NASA, que não esteve envolvida no novo estudo. O peso é uma consideração importante – e a fotossíntese artificial provavelmente exigiria o transporte de novos equipamentos para o espaço, incluindo painéis solares e eletrolisadores adicionais.
Ainda assim, Lynn Rothschild diz que vale a pena manter a mente aberta sobre a forma como qualquer esforço para redesenhar um processo biológico fundamental como a fotossíntese pode ser aplicado, quer seja no espaço ou na Terra. “A recompensa pode ser algo que nem sequer imaginámos.”
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com